sábado, 20 de novembro de 2010

A Hemorróidas de Ouro

Na sala dos professores, quando comentei sobre as “hemorróidas de ouro” pela primeira vez, alguém raiou:
__ Este homem está com o Diabo no corpo! Pra traz de mim, Satanás!
Pra trás de mim, quem? Eu, Satanás ou as Hemorróidas?
Duvidando de meus limitados conhecimentos teológicos correram alguns a pegar a bíblia e confirmar minha ignorância e blasfêmia.
Então disseram: Qual é a expiação da culpa que lhe havemos de enviar? E disseram: Segundo o número dos príncipes dos filisteus, cinco hemorróidas de ouro e cinco ratos de ouro; porquanto a praga é uma mesma sobre todos vós e sobre todos os vossos príncipes. (I Samuel 6:4)
Foi constatada a passagem bíblica. Na realidade, tratara-se de um sacrifício que os filisteus oferecem a Deus pela expiação da culpa, "cinco hemorróidas de ouro e cinco ratos de ouro."
“Vocês vão mandar fundir hemorróidas e ratos de ouro, e este será o presente para os israelitas e para o deus maluco deles. Cinco de cada um, representando os governadores filisteus. Porque a praga que atingiu o povo atingiu a eles também.”
Às vezes me pego a pensar: Como foram confeccionadas estas hemorróidas em ouro? Quão fértil e maléfica mente projetara tais castigos?
Pois bem, não fiz teologia no fundo da igreja, tão pouco me apego a repetir “frases prontas” recitadas como “mantras” por pastores, padres e outros líderes religiosos; entretanto admito me divertir-me com tal ignorância.
Entendo que os textos bíblicos devem ser interpretados no seu contexto e nunca isoladamente. Também sei que a análise do idioma original (hebraico, aramaico, grego comum) é importante para se captar o melhor sentido do termo ou as suas possíveis variantes. O caráter “alegórico”, muitas vezes fantástico, na verdade apresentam uma situação simbólica que geralmente é tratada ao “pé da letra” por religiosos simplórios que acabam ofendendo o intelecto.
Quem dera Deus ainda usasse estes castigos nos nossos políticos corruptos. Qual é a expiação da culpa que lhe havemos de enviar? Eu diria: Segundo o número dos políticos corruptos, cinco hemorróidas de ouro e cinco ratos de ouro; porquanto a praga é uma mesma sobre todos vós e sobre todos os vossos magistrados.
Poderíamos mobilizar manifestações populares como, por exemplo, uma espécie de “Hemorróidas já!” Ou até mesmo um movimento estudantil denominado “Hemorróidas Pintadas”. Voltaríamos à era do ouro.
Outrora o ouro brotava no leito dos rios, agora o ouro brotaria nos ilustríssimos “ânus” de nossos congressistas. Teríamos certamente uma nova “corrida do ouro”.
Poderíamos mobilizar manifestações populares.
Por falar em ouro, o pastor Givanildo de Souza da Igreja Mundial diz que enganou e distorceu a bíblia para arrecadar mais. O pastor mostra como usar trechos da Bíblia para aumentar a arrecadação. “Houve uma campanha feita em cima de Isaías 61:7, sobre a dupla honra. Aí surgiu a proposta de pedir 30% do salário da pessoa.” Esse versículo diz o seguinte: “Em lugar da vossa vergonha tereis dupla honra; (…) por isso na sua terra possuirão o dobro e terão perpétua alegria”. Segundo Givanildo, o fundador da igreja, Valdomiro Santiago e os pastores passaram a pregar que para obter a “dupla honra” era necessário “dobrar” o dízimo e dar mais 10% do salário como oferta. Total: 30%. O “trízimo” ficou conhecido como uma inovação introduzida pela igreja de Valdemiro.
Qual é a expiação da culpa que lhe havemos de enviar? Eu diria: Para obter a “dupla honra” é necessário “dobrar” as hemorróidas. Segundo o número de pastores safados e corruptos, dez hemorróidas de ouro e dez ratos de ouro; porquanto a praga é uma mesma sobre todos vós e sobre todos os vossos pregadores.

Políticos corruptos, pastores ladrões, padres pedófilos. Hemorróidas Já!
Brincadeiras a parte, fica evidente que uma interpretação ao “pé da letra” destes trechos pode suscitar a ira, descrença e descrédito em relação a Deus. Porém fica evidente que “Deus” é uma coisa, o que escreveram sobre ele é outra.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Aluno


Segundo Voltaire, o trabalho é, na maioria das vezes, o pai do prazer. Seria inocência acreditar que todos os trabalhadores concordam com esta afirmação, visto que, no mundo capitalista, nem sempre é possível conciliar prazer e trabalho.
No meu caso, há seis anos lecionando em escolas públicas e privadas, asseguro que Voltaire tinha razão em sua afirmação. Mesmo tendo consciência de que o Brasil é o país da educação fracassada, onde o professor vale menos do que pó de giz, consigo enxergar beleza nesta profissão. Isso ocorre pela ilustríssima presença do protagonista da educação, o “aluno”. O agente principal não poderia ser outro, pois sua presença justifica a existência deste grande teatro chamado “escola”.
A palavra aluno vem do latim “alumnus” e significa, dentre outras idéias: criança de peito, lactante, menino; e, daí: aluno, discípulo. É muito comum a palavra "aluno" aparecer com o significado de "não luz" ou "sem luz". Essa interpretação ocorre erroneamente pelo mau uso do prefixo “a”, que significa negação, e pelo elemento “lun”, da palavra latina “lúmen”, que significa luz. Com efeito, aluno teria um sentido pejorativo: "ausência de luz". Percebemos que se trata de um erro grosseiro, destituído de senso crítico e de espírito científico.
Mas o que é ser aluno no século XXI? Por que os nossos alunos perderam o interesse pela aprendizagem? A quem seria atribuída a "ausência de luz"?
O educador Rubens Alves compara a escola a uma fábrica onde todos os alunos são submetidos a uma linha de montagem para que todos saiam absolutamente iguais e sem personalidade. Transformando-se em depósitos de conhecimentos e habilidades, tornando-se produtos, apenas.
No livro Pinóquio às Avessas o autor apresenta uma parábola que traz uma releitura da estória de Pinóquio. Rubem Alves inverte a estória original, na qual o boneco de madeira começa a “virar gente” à medida que vai à escola. A partir do ponto de vista de um garotinho que nasceu de carne e osso e, ao receber o diploma da universidade, virou um boneco de pau, o autor dá outro sentido à estória, despertando pais e educadores para uma visão mais crítica sobre a educação.
O autor mostra que uma visão reducionista do processo educacional pode podar a criatividade e a curiosidade que caracterizam o comportamento de toda criança no início da vida escolar. Aponta as consequências de um sistema educacional equivocado: transformar crianças intelectualmente curiosas em seres autômatos e profissionais frustrados e sem iniciativa. Esta proposta de educação prioriza apenas o mercado de trabalho, o ensino conteudista e descontextualizado.
Sem significado para a criança, esse sistema garante apenas a profissionalização. Assegura o processo de alienação e transformação do aluno em adulto-profissional com sucesso, mas infeliz, por ter tido seus sonhos e desejos reprimidos.
Para justificar este modelo educacional o filósofo aponta que o sistema dos vestibulares no Brasil direciona o modelo das escolas. Veja este trecho de Rubem Alves:

“Se eu fizer os exames vestibulares, não passarei. E se o novo reitor da Unicamp fizer os vestibulares, não passará. Se o Ministro da Educação fizer os vestibulares, não passará. Se os professores das universidades fizerem os vestibulares, não passarão. Se os professores dos cursinhos que preparam os alunos para passar nos vestibulares fizerem os vestibulares, não passarão (cada professor só passará na disciplina em que é especialista…). Se aqueles que preparam as questões para os vestibulares fizerem os vestibulares, não passarão. Então me digam, por favor: por que é que os jovens adolescentes têm de passar no vestibular? Os vestibulares são um desperdício de tempo, de dinheiro, de vida e de inteligência. Passados os exames, a memória (inteligente) se encarrega de esquecer tudo. A memória não carrega peso inútil.” (Correio Popular, 2002)

O aluno deve obter conhecimento não apenas para ter na cabeça muitas informações que, na maioria dos casos, nunca vai utilizar. O conhecimento ideal é aquele que o transforma em um “cidadão do mundo”.
Às vezes penso quão difícil é ser aluno em uma escola ultrapassada e maçante. A escola não se reciclou, o professor interage pouco com os alunos, os conteúdos devem ser decorados, as matérias estão distantes da realidade. A oferta de conhecimento é cada vez maior e melhor fora da sala de aula, graças aos recursos tecnológicos, em especial, a Internet.
Segundo Morin (2007), “A educação tem que surpreender, cativar, conquistar os estudantes a todo momento. A educação precisa encantar, entusiasmar, seduzir, apontar possibilidades e realizar novos conhecimentos e práticas. O conhecimento se constrói a partir de constantes desafios, de atividades significativas, que excitem a curiosidade, a imaginação e a criatividade .”
Pior que interpretar erroneamente a palavra "aluno" com o significado de "sem luz" é apagar a chama do saber que cada aluno carrega dentro de si. Quando comecei a lecionar fui incumbido de ministrar conteúdos e lições aos alunos; no entanto hoje, sinto que quem recebeu “lições” fui eu.