sábado, 10 de setembro de 2011


Dr. Sócrates e a Democracia Corinthiana





Em plena ditadura militar, um clube brasileiro conseguiu alterar as regras do jogo. Não almejava apenas títulos, mas condições dignas de trabalho baseadas no diálogo e no respeito. Através de decisões coletivas, o grupo reparte igualmente responsabilidades e cumplicidade. Alcançou visibilidade e capacidade de provocar a reflexão em uma sociedade que lutava contra a opressão da ditadura militar. O futebol, taxado de alienante, se fez como um mecanismo de mobilização social e ergueu a bandeira da democracia, ou melhor, uma “Democracia Corinthiana!”.

 
Após uma modesta campanha no Brasileirão de 1981, Vicente Matheus deixa a presidência, assumindo Waldemar Pires. Após a posse de Pires, é nomeado diretor de futebol o sociólogo Adilson Monteiro Alves, que adotou como política de gestão a participação ativa dos jogadores. Nasce a Democracia Corinthiana, um sistema de autogestão orientada pelos jogadores, comissão técnica e diretoria. Estes decidiam os rumos do departamento de futebol pelo voto direto. Contratações, demissões, escalação, concentração, enfim, tudo era decidido pelos trabalhadores. Do presidente ao roupeiro, todos os votos tinham o mesmo peso nas decisões. Em plena ditadura militar, o time do povo, com a maior torcida do país, começa a discutir política e colocar em debate o porquê de uma ditadura militar.

O Doutor Sócrates entra e lidera o movimento. Faz do futebol uma política e inicia-se a Democracia Corintiana. Segundo José Paulo Florenzano, mestre e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, Sócrates foi um dos principais personagens deste fato social.
“No caminho contrário daqueles que pensavam e pensam que o jogador de futebol tem que realizar a sua função dentro de campo, para Sócrates, um dos protagonistas da Democracia Corintiana, era necessário que o atleta pensasse.” (Florenzano, 2009)

            Outro fator relevante foi a desmistificação da dependência direta dos patrocínios de camisa. Durante a democracia, as camisas carregavam dizeres políticos como diretas já” ou “eu quero votar para presidente”, trazendo para o futebol a consciência política que já se desenvolvia há anos em outros setores da sociedade, ligados a diversos movimentos sociais durante a ditadura militar brasileira.
O resultado não poderia ser melhor, além de ajudar a restabelecer a democracia no país, o Corinthians conquistou dois campeonatos paulistas (1982 e 1983) e chegou as fases finais da Taça de Ouro.Inúmeras pessoas públicas acabaram aderindo à causa do time, que extrapolou o “campo de futebol” e começou a fazer campanhas pelas Diretas Já. Com influência direta de Washington Olivetto, fizeram com que o público do futebol também debatesse sobre o movimento de abertura política. Osmar Santos, Juca Kfouri e Rita Lee vestiram a camisa da Democracia Corinthiana. Sócrates, Casagrande e Wladimir subiam em palanques e discursavam sobre as diretas ao lado de políticos e figuras públicas.

Um movimento único na história do futebol mundial, nunca depois repetido e com grande influência para o movimento das Diretas Já. A partir desse movimento, o Corinthians foi o primeiro time a usar a camisa com dizeres publicitários.
Por sugestão do Washington Olivetto, jogos antes da eleição de 15 de novembro de 1982, o time foi a campo com duas camisas: uma com a inscrição "Dia 15 vote" e a outra com "Democracia Corinthiana".
A ideia era fazer uma campanha incentivando a população a votar em candidatos de oposição à ditadura. E isso foi passado ao povo como a faixa escrita: “anistia ampla, geral e irrestrita", que foi levantada no meio dos Gaviões, onde a polícia tinha difícil acesso e nunca saberia quem eram os responsáveis por aquilo.

Este fato social aborda, portanto, a articulação de dois eixos, a saber: de um lado, o da análise interna do campo de forças do futebol brasileiro, resgatando as resistências, as rebeldias e as práticas que tornaram possível operar uma inversão nas relações de poder; e, de outro lado, o de uma história aberta do futebol, capaz de apontar as conexões entre a experiência democrática no Corinthians e os movimentos sociais, políticos e culturais em curso no quadro da redemocratização da sociedade.
A Democracia Corinthiana representa a brecha antropológica no universo do futebol brasileiro, criando novas significações imaginárias sociais, descortinando outras possibilidades do ser atleta, ampliando os sentidos do jogar bola e tecendo as jogadas indefinidas do trabalho de reinventar a liberdade.
Livros sugeridos


ALBRECHT, Jeferson. Fiel torcida Corinthiana - Um Fenômeno Sociológico. 

Ponto da Cultura Editora Ltda. ISBN: 978-85-8097-009-8
FLORENZANO, José Paulo. A Democracia Corinthiana: Práticas de Liberdade no Futebol Brasileiro .  Educ.2009.
SOCRATES & GOZZI. Bíblia do Corintiano: Livro e Documentos Históricos de um Centenário de Conquistas-Democracia Corintiana – A Utopia em Jogo. Boitempo