Dr. Sócrates e a Democracia Corinthiana
Em plena ditadura militar, um clube brasileiro conseguiu
alterar as regras do jogo. Não almejava apenas títulos, mas condições dignas de
trabalho baseadas no diálogo e no respeito. Através de decisões coletivas, o
grupo reparte igualmente responsabilidades e cumplicidade. Alcançou
visibilidade e capacidade de provocar a reflexão em uma sociedade que lutava
contra a opressão da ditadura militar. O futebol, taxado de alienante, se fez
como um mecanismo de mobilização social e ergueu a bandeira da democracia, ou
melhor, uma “Democracia
Corinthiana!”.
Após
uma modesta campanha no Brasileirão de 1981, Vicente Matheus deixa a
presidência, assumindo Waldemar Pires. Após a posse de Pires, é nomeado diretor
de futebol o sociólogo Adilson
Monteiro Alves, que adotou como política de gestão a participação ativa dos
jogadores. Nasce a Democracia Corinthiana, um sistema de autogestão orientada pelos
jogadores, comissão técnica e diretoria. Estes decidiam os rumos do
departamento de futebol pelo voto direto.
Contratações, demissões, escalação, concentração, enfim, tudo era decidido
pelos trabalhadores. Do presidente ao roupeiro, todos os votos tinham o mesmo
peso nas decisões. Em plena ditadura militar, o time do povo, com a maior
torcida do país, começa a discutir política e colocar em debate o porquê de uma
ditadura militar.
O Doutor Sócrates entra e lidera o movimento. Faz do futebol uma
política e inicia-se a Democracia Corintiana. Segundo José Paulo Florenzano,
mestre e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, Sócrates foi um dos principais
personagens deste fato social.
“No caminho contrário
daqueles que pensavam e pensam que o jogador de futebol tem que realizar a sua
função dentro de campo, para Sócrates, um dos protagonistas da Democracia
Corintiana, era necessário que o atleta pensasse.” (Florenzano, 2009)
Um movimento único na história do
futebol mundial, nunca depois repetido e com grande influência para o movimento das Diretas Já. A partir
desse movimento, o Corinthians foi o primeiro time a usar a camisa com dizeres
publicitários.
Por sugestão do Washington Olivetto, jogos antes da eleição
de 15 de novembro de 1982, o time foi a campo com duas camisas: uma com a
inscrição "Dia 15 vote" e a outra com "Democracia
Corinthiana".
A ideia era fazer uma campanha incentivando a população a
votar em candidatos de oposição à ditadura. E isso foi passado ao povo como a
faixa escrita: “anistia ampla, geral e irrestrita", que foi levantada no
meio dos Gaviões, onde a polícia tinha difícil acesso e nunca saberia quem eram
os responsáveis por aquilo.
Este fato social
aborda, portanto, a articulação de dois eixos, a saber: de um lado, o da
análise interna do campo de forças do futebol brasileiro, resgatando as
resistências, as rebeldias e as práticas que tornaram possível operar uma
inversão nas relações de poder; e, de outro lado, o de uma história aberta do
futebol, capaz de apontar as conexões entre a experiência democrática no
Corinthians e os movimentos sociais, políticos e culturais em curso no quadro
da redemocratização da sociedade.
A Democracia Corinthiana representa a brecha antropológica no
universo do futebol brasileiro, criando novas significações imaginárias
sociais, descortinando outras possibilidades do ser atleta, ampliando os
sentidos do jogar bola e tecendo as jogadas indefinidas do trabalho de
reinventar a liberdade.
Livros sugeridos
ALBRECHT, Jeferson. Fiel
torcida Corinthiana - Um Fenômeno Sociológico.
Ponto da
Cultura Editora Ltda. ISBN:
978-85-8097-009-8
FLORENZANO, José
Paulo. A
Democracia Corinthiana: Práticas de Liberdade no Futebol Brasileiro . Educ.2009.
SOCRATES & GOZZI. Bíblia do Corintiano: Livro e Documentos Históricos de um
Centenário de Conquistas-Democracia Corintiana
– A Utopia em Jogo. Boitempo
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