segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Aluno


Segundo Voltaire, o trabalho é, na maioria das vezes, o pai do prazer. Seria inocência acreditar que todos os trabalhadores concordam com esta afirmação, visto que, no mundo capitalista, nem sempre é possível conciliar prazer e trabalho.
No meu caso, há seis anos lecionando em escolas públicas e privadas, asseguro que Voltaire tinha razão em sua afirmação. Mesmo tendo consciência de que o Brasil é o país da educação fracassada, onde o professor vale menos do que pó de giz, consigo enxergar beleza nesta profissão. Isso ocorre pela ilustríssima presença do protagonista da educação, o “aluno”. O agente principal não poderia ser outro, pois sua presença justifica a existência deste grande teatro chamado “escola”.
A palavra aluno vem do latim “alumnus” e significa, dentre outras idéias: criança de peito, lactante, menino; e, daí: aluno, discípulo. É muito comum a palavra "aluno" aparecer com o significado de "não luz" ou "sem luz". Essa interpretação ocorre erroneamente pelo mau uso do prefixo “a”, que significa negação, e pelo elemento “lun”, da palavra latina “lúmen”, que significa luz. Com efeito, aluno teria um sentido pejorativo: "ausência de luz". Percebemos que se trata de um erro grosseiro, destituído de senso crítico e de espírito científico.
Mas o que é ser aluno no século XXI? Por que os nossos alunos perderam o interesse pela aprendizagem? A quem seria atribuída a "ausência de luz"?
O educador Rubens Alves compara a escola a uma fábrica onde todos os alunos são submetidos a uma linha de montagem para que todos saiam absolutamente iguais e sem personalidade. Transformando-se em depósitos de conhecimentos e habilidades, tornando-se produtos, apenas.
No livro Pinóquio às Avessas o autor apresenta uma parábola que traz uma releitura da estória de Pinóquio. Rubem Alves inverte a estória original, na qual o boneco de madeira começa a “virar gente” à medida que vai à escola. A partir do ponto de vista de um garotinho que nasceu de carne e osso e, ao receber o diploma da universidade, virou um boneco de pau, o autor dá outro sentido à estória, despertando pais e educadores para uma visão mais crítica sobre a educação.
O autor mostra que uma visão reducionista do processo educacional pode podar a criatividade e a curiosidade que caracterizam o comportamento de toda criança no início da vida escolar. Aponta as consequências de um sistema educacional equivocado: transformar crianças intelectualmente curiosas em seres autômatos e profissionais frustrados e sem iniciativa. Esta proposta de educação prioriza apenas o mercado de trabalho, o ensino conteudista e descontextualizado.
Sem significado para a criança, esse sistema garante apenas a profissionalização. Assegura o processo de alienação e transformação do aluno em adulto-profissional com sucesso, mas infeliz, por ter tido seus sonhos e desejos reprimidos.
Para justificar este modelo educacional o filósofo aponta que o sistema dos vestibulares no Brasil direciona o modelo das escolas. Veja este trecho de Rubem Alves:

“Se eu fizer os exames vestibulares, não passarei. E se o novo reitor da Unicamp fizer os vestibulares, não passará. Se o Ministro da Educação fizer os vestibulares, não passará. Se os professores das universidades fizerem os vestibulares, não passarão. Se os professores dos cursinhos que preparam os alunos para passar nos vestibulares fizerem os vestibulares, não passarão (cada professor só passará na disciplina em que é especialista…). Se aqueles que preparam as questões para os vestibulares fizerem os vestibulares, não passarão. Então me digam, por favor: por que é que os jovens adolescentes têm de passar no vestibular? Os vestibulares são um desperdício de tempo, de dinheiro, de vida e de inteligência. Passados os exames, a memória (inteligente) se encarrega de esquecer tudo. A memória não carrega peso inútil.” (Correio Popular, 2002)

O aluno deve obter conhecimento não apenas para ter na cabeça muitas informações que, na maioria dos casos, nunca vai utilizar. O conhecimento ideal é aquele que o transforma em um “cidadão do mundo”.
Às vezes penso quão difícil é ser aluno em uma escola ultrapassada e maçante. A escola não se reciclou, o professor interage pouco com os alunos, os conteúdos devem ser decorados, as matérias estão distantes da realidade. A oferta de conhecimento é cada vez maior e melhor fora da sala de aula, graças aos recursos tecnológicos, em especial, a Internet.
Segundo Morin (2007), “A educação tem que surpreender, cativar, conquistar os estudantes a todo momento. A educação precisa encantar, entusiasmar, seduzir, apontar possibilidades e realizar novos conhecimentos e práticas. O conhecimento se constrói a partir de constantes desafios, de atividades significativas, que excitem a curiosidade, a imaginação e a criatividade .”
Pior que interpretar erroneamente a palavra "aluno" com o significado de "sem luz" é apagar a chama do saber que cada aluno carrega dentro de si. Quando comecei a lecionar fui incumbido de ministrar conteúdos e lições aos alunos; no entanto hoje, sinto que quem recebeu “lições” fui eu.

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